Anotações
na virada
Durante
os intervalos de cores, sons e sonhos, anotei diversas frases, palavras, trechos
de narrativas que talvez apareçam no futuro. Quando compadre Sacha estava
cantando lembrei-me do trecho (fiz da arte minha religião) que escrevi no comentário
sobre Sarau da Casa Amarela em 2011, bisado abaixo por que gostei de ler os
dois assim juntos.
Impressões
do incomodo
Roer
um naco do real é dar ao imaginário a capacidade de cercar, sorver,
multiplicar, acionar as manifestações do imaginar. Antes de ser um exercício de
desejar a complexidade, é um momento de perceber as relações entre os vividos e
a manifestação estética, é um instante de apreender a criação em ação, é uma
atenção aos elos invisíveis, mas poderia ser também apenas refletir o bom
Sartre. E não o é aqui. Ainda assim o inferno é os outros quando planta em
nossa emoção um fel maior que nossa capacidade de diluir.
O
poema “Temístocles” se faz de uma enorme carga lírica, que o poeta mesmo
conhecendo o real heróisãmiguelino, rói o naco do real, desenvolve um voo em
sua alma, traz de seus confins, o personagem possível apenas no imaginado
pranto de quem colore o anjo caído com os tons do tempo agora revelados em
camadas nos vãos dos buracos das balas. Encontra o guerreio caído sem pieguice.
E as palavras não querem e não fazem versos piedosos.
A reflexão parece não
acontecer dentro da narrativa. Interversos, as flexões pronunciam... Uma notícia...
vinda direto do eu lírico que a ilumina, poematizando em cada verso: poesia e sem
o amargor da denúncia, anuncia. Ilumina, fora do bem, fora do mal.
Um texto
escrito em versos, portanto poesia. Assim nessa definição tão simples e longe
de maneirismos estéticos duvidáveis ou inaudíveis. Sem impressionismos. Revela
uma necessidade do eu lírico de narrar sem enredar, direto de um sem-lugar, não
espaço... cintilancias.
Sem
impressionisses, o poema homenagem de Sacha Arcanjo, foi um achado superior,
perfeito para abrir minha vocalização de poema&poesia, a fim de reverenciar
a dignidade da história do MPA, na programação da virada cultural em 2013.
Agora
todos os outros podem morrer sem ter conhecido o naco do real: a história de Temístocles,
o incomodo, por sua própria voz.
Sacha
Arcanjo com seus versos sangrados no moderno de drumonds e bandeiras nos
permite morrer conhecendo a imprudência d’o inferno dos outros instalado na
aura de um guerreiro. Impar como qualquer bom outro.
Temístocles
O incomodo Temístocles
Um poeta zen profundo
Foi encontrado morto
No horto do submundo.
Sua alma estilhaçada
Pelos buracos de bala
Largou o corpo sozinho
Esticado numa vala.
Foi se esconder numa fenda
Lá na cerca da capela
Bendito louvado seja.
Perdeu-se seu intelecto
Só por falta de prudência
Sucumbiu sua peleja.
(29\12\2011)
Na cesta de Sacha
No sarau da casa amarela, Akira arranjou uma sexta para Sacha contar as razões e emoções que os destinos colocaram na arte que faz da vida e na vida que faz da arte. Deliciosamente nos embalou com seus artigos de primeira necessidade. Sim, depois que você o conhece, ouve, lê e vê bem dentro dos olhos dele cantando, não pode imaginar mais a própria vida, a emoção, seu próprio ritmo sem continuar ouvindo o Mestre sempre, para religar a alma à Natureza Superior.
Fiz da arte minha religião. Escolhi alguns sacerdotes para me ligar às estrelas. Sacha é um desses, que não sai da minha tenda de orações. No sarau da casa amarela isso mais uma vez ficou provado.
Foi uma sessão de emoções. A flor da pele instalou-se nos bons que ali foram receber as sutras sertanejas de Sacha Arcanjo. Não cantou “ Água clara de cascata” nem ”Última fome". E ainda assim o cidadão-cantante trovou mais uma vez meu coração e minha mente. E se engolimos algumas lágrimas, foi apenas para lubrificar a garganta e desembargar a voz.
Cg. 09/10/2011.